domingo, 15 de julho de 2012

Como perder uma namorada em um único dia... duas vezes



               ─ E se eu der um beijinho deste lado do pescoço.
               ─ Ai, ai, ai. Que gostoso!
               ─ E se eu der um beijinho agora do outro lado.
               ─ Ai, ai, ai.
               ─ E se eu te apertar forte contra o meu corpo... assim.
               ─ AI, AI, AI!!!
               ─ Eu não queria me gabar, mas, vamos lá, eu sou bom nisso mesmo.
               ─ AI, AI, AI!!!
               ─ Está bem, já entendi, também não precisa exagerar.
               ─ Ai, seu idiota, ai, minhas costas.
               ─ São lindas.
               ─ Não, imbecil, ai, minha hérnia, ai.
               ─ Hérnia???
               ─ Liga para a emergência, ai, você deslocou um disco da minha coluna. Ai!
               E agora, o que a gente faz com duas champanhas francesas de duzentos e cinquenta reais? Enfim, rumo ao hospital. Enquanto eu preenchia a papelada, minha namorada era levada às pressas para o ambulatório com os dois braços paralisados pela dor em ângulo de noventa graus, um para frente e outro para trás. Sorte ela ter travado lá em casa e não em uma loja de roupas, ou um vendedor poderia confundir com um manequim e colocá-la no mostruário.
               Quando cheguei ao ambulatório e abri a cortina do box cinco, lá estava a minha namorada despida de bruços sobre a maca e com um médico segurando as costas dela com as duas mãos. Não sei o que vocês acham, mas, no passado, homens morreram por muito menos. Eu quase perguntei se ele não queria uma taça de champanha. Deixa para lá.
               No hospital, fizeram infiltração – pelo menos foi essa a desculpa do médico para as duas mãos nas costas dela – e ainda deram uma série de medicamentos. Ela saiu mais grogue que alcoólatra em dia de double drink. E o médico, com um sorriso no rosto que quase me fez pensar que ele precisaria de uma cirurgia após um ataque acidental de um acompanhante, ainda advertiu:
               – Fica de olho até ela recobrar a consciência.
               – Chama alguém para ficar de olho em você também até recobrar a consciência – mas, bem naquela hora, dois seguranças passaram pela saída do hospital. Uma pena. Ele tinha os dentes frontais estragados. Dentes novos talvez dessem um ar distinto àquele almofadinha.
               – Não entendi.
               – Um ótimo final de semana para o senhor – e que tenha plantão todos os domingos deste ano, pensei.
               Cheguei em casa exausto. Por sorte, minha namorada deitou logo na cama e dormiu, eu apaguei. Quando acordei, ela não estava ao meu lado, nem a chave do carro dela. Fudeu.
               Peguei a chave do meu carro e desci as escadas voando. O bom de morar no Lakeside Hotel é que não tem muitos lugares para ela ir, exceto o Palácio do Alvorada de um lado e, do outro, o do Jaburu. Fudeu mesmo! Vão achar que ela é uma terrorista.
               Aquelas marcas por cima do canteiro só poderia ser do carro dela. Ainda bem que ela não tomou o caminho do Alvorada, seguiu em direção contrária que iria dar... no Palácio do Planalto. A esta hora, o Jornal Nacional já teria anunciado a morte de uma terrorista.
               Acelerei em direção ao palácio, teria de alcançá-la antes dela atropelar um Dragão da Independência. Mas tive de diminuir logo à frente. Tinha um carro de polícia que estava multando uma bêbada. Era ela!
               – Seu guarda, eu a conheço.
               – E como o senhor deixa uma bêbada dirigir?
               – Ela não está bêbada.
               – Isso é o que veremos com o bafômetro... hum, o senhor tem razão, bêbada ela não está.
               – Eu disse.
               – Mas se não é álcool que está causando a língua presa, deve ser algum entorpecente.
               – Que isso, seu guarda. É que ela está falando em in...
               – Inglês? Eu falo inglês. E fluentemente, estou me preparando para o concurso da Polícia Federal.
               – Eu ia dizer inslandês, quero dizer islandês.
               – Eu não falo islandês.
               – Ufa!
               – O que o senhor disse?
               – Não se preocupe, eu falo com ela. Já estive nos Países Baixos.
               – Os Paises Baixos correspondem à região da Holanda, não da Islândia.
               – Ah, é? Claro. Eu vejo que você vai passar logo no concurso da Polícia Federal. Ninguém te passa a perna.
               – Você acha?
               – Certamente.
               – Uki ezi gada fiu da fruta ké?
               – O que ela disse?
               – Ah, ela está impressionada com o seu saber. Estou vendo que você passaria em qualquer universidade europeia, como Havard.
               – Havard é nos EUA.
               – Olha aí. Quanta erudição! Os federais não sabem o que estão perdendo.
               – Mandiló to...má nukú i vumbora.
               – Engraçado parece até que eu entendi – falou o guarda.
               – É, o islandês é uma língua muito gutural. Remete a nossos tempos da caverna, por isso parece até que a gente entende. É nosso elo perdido. Mas como você vê, ela está boa. Podemos ir?
               – Então por que ela está com a cara no capô e babando no carro.
               – O quê? – olhei para trás – É... é... é... isso!... Quero dizer: isso é um teste islandês.
               – Teste islandês?
               – Claro. E escreve aí que pode cair na sua prova. Os islandeses jamais ligam o motor do carro sem antes babar no capô.
               – Para quê?
               – Se a baba congelar, eles não podem ligar o carro ou o motor irá fundir.
               – Genial! Vou anotar essa.
               – Aliás, você sabe que ela é parente distante da rainha da Inglaterra?
               – Sério?
               – Exatamente. Sabe como é: o mar do Norte os une. E acho que não ficaria bem a deixarmos retornar sem uma escolta. O que vão pensar da polícia brasileira, não é? Poderia até causar um incidente diplomático.
               – Deus me livre! Podem até me cortar entre os aprovados.
               – Quem sabe você poderia ir dirigindo o carro dela, depois eu te trago de volta?
               – Eu até faria isso, mas enquanto nós conversávamos, ela ligou o carro e se foi.
               – O quê? O Palácio do Planalto!
              

4 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Adorei o conto e suponho que os fatos tem alguma semelhança com a realidade...

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  2. Eu espero que não!! Afinal, não imagino ficar sem a Ketty! Que seja somente a veia artística do Tauil.

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  3. Que isso Waleska? Minhas veias se recusam a fornecer sangue de graça, quanto mais arte. ;) Se eu não me viro com o guarda, queria ver a Ketty agora. :)))

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