domingo, 13 de novembro de 2011

A Namorada


            A separação não me fez nenhum bem, toda semana eu ligava para a minha ex-mulher para perguntar como estava a nossa filha e ela fazia questão de contar sobre seu novo namorado. Pela descrição dela, ele era mais forte que o incrível Hulk, mais rápido que o Usain Bolton dopado e ainda faz um risoto melhor do que o meu, desaforo!
            Mas isso não ia ficar assim, resolvi arrumar uma namorada, qualquer uma, conseguiria uma menina esta semana nem que fosse a mulher mais feia do mundo... e era. Os cachorros não chegavam perto. Ela tinha um nariz um pouco avantajado, mas se valia de um truque para disfarçar, não depilava os bigodes. Tinha a mania de jogar a cabeça para o lado fazendo charme, pelo menos era o que eu achava, até descobrir que o problema era a orelha esquerda ser bem maior do que a direita. Além disso, de tempos em tempos, era acometida por um tique de ficar piscando os olhos rapidamente. Ou estava recebendo um fax, ou então a invasão alienígena havia começado. Fomos a uma festa de gala e levei também a Ana Clara comigo. Ela olhou para a cara da minha namorada e perguntou:
            – Pai, é haloween?
            Larguei. A segunda não era feia, porém metida a intelectual. Qualquer assunto que eu falasse, ela interrompia para me corrigir, isso me irritava, eu estava para perder a paciência até que entramos em uma área na qual eu sou especialista, história. Começamos a falar da revolução bolchevique e ela me interrompeu para explicar que também era conhecida como “Revolução de Fevereiro”. Eu sorri ironicamente e disse que fevereiro era o meu aniversário. Na verdade, ensinei, a “Revolução Bolchevique” era conhecida como “Revolução de Abril”, ou “Abril Vermelho”. Ela foi embora junto com a sua empáfia desmoralizadas, ainda me ligou tentando pedir desculpas, dizendo que eu tinha razão, ela se confundiu e blá-blá-blá, mas agora era tarde, eu já tinha pesquisado na internet. Ela estava certa, nunca mais a perdoei.
            Eu havia chegado ao fundo do poço e, pior, desmemoriado não sabia voltar. Um casamento falido, um homem mais velho, mais feio, mais gordo e, pelo jeito, com alzheimer. Comecei a entender a minha ex-esposa.
            Estava acabado, então resolvi procurar ajuda profissional. Na realidade, João, meu psicoterapeuta, fez um cursinho por correspondência, parece que foi de eletrônica, não importa, ele não concluiu mesmo. João era ascensorista no ministério da Economia até que teve uma visão. Um negro forte, filho de Ogum, montado em um cavalo branco, trouxe para ele o cetro da verdade futura e ele passou a ser conhecido nos corredores da república nova de Brasília, como tio Chico. “Você tem um problema que não consegue resolver, qualquer problema, consulte com o tio Chico”, pelo menos era o que dizia o cartaz colado no poste.
            Na verdade, João não passava de um neguinho muito sem-vergonha para mim. Roubava no baralho, o mesmo que ele usava para ver o futuro quando uma autoridade aparecia. Cartas marcadas. E a visão que teve foi a da grana dos ex-ministros. Mas aquele safado tinha uma pinguinha danada da boa e era o único que me escutava. Pelo menos quando o teor alcoólico não permitia fugir.
            Ia pegar o elevador para ver o João, ou o tio Chico, sei lá, já cheguei bêbado mesmo, e ela entrou comigo. Às vezes, a sorte se confunde e acerta um azarado sem querer. Seus cabelos loiros voaram em minha direção quando ela tomou o elevador. Tomar era a palavra. Lançou-me um leve sorriso, pediu para apertar o 4 e eu marquei o 3, o 2, o 5. Bêbado é uma desgraça. Mas, pelo menos, o elevador custou a chegar. Eu até conversaria com ela, se soubesse qual das três era a verdadeira. Como era linda e, ainda por cima, falava.
            – Oi! – ela disse.
            – Aceito – respondi.
            – O quê?
            – Desculpe, acertei seu andar?
            – Eu sou nova aqui – ela me falou sem ligar para minha pergunta. – Conhece algum lugar para sair sexta à noite?
            – Claro! – eu lembro ter saído uma sexta à noite. Foi para comprar fraldas e minha filha já tem oito anos.
            – Você pode me levar?
            – Certamente, conheço um local ótimo – a última vez em que havia estado lá, o Brasil ainda era tri-campeão.
            Fiquei de ligar para ela. Comecei a me beliscar para ver se não estava sonhando, dancei uma mistura de “moon walker” com sapateado russo no elevador e gritei de felicidade, só aí me lembrei de não estar sozinho.
            Com certeza, ela era candidata a ser minha próxima futura ex-mulher. Linda, charmosa e querendo sair comigo, só pode ter algum problema... e tinha.
            Levei-a a um restaurante chique que aceitava cheques. Eles não me conheciam. Ela pegou o menu, aproximou-se de mim como quem vai contar um segredo e falou.
            – O preço do vinho aqui é um absurdo.
            – Sim – respondi sem graça. – Mas não precisa gritar.
            – Quem está gritando? – berrou. – Estou falando somente para você.
            – Então porque todo mundo está olhando para nós?
            – Deixa para lá. Você reparou na roupa do maitre?
            – Sim, mas seja discreta. Fale baixo.
            – Que mania você tem de achar que todo mundo está falando alto.
            – Não queria perguntar, mas você tem algum problema de audição?
            – Aviação?
            – Linda desse jeito, seria muita sorte – sussurrei.
            – Quem está pela hora da morte? – perguntou a surdinha.
            Fomos expulsos do restaurante, mas considerando o preço dos pratos até que foi providencial. Decidi levá-la para a minha casa, faria o meu risoto de bacalhau campeão, queria ver se aquele francês gay namorado da minha ex faria melhor. Ia dar o troco na mesma moeda.
            Enquanto deixava a panela aquecer, coloquei uma musiquinha romântica para dar um clima.
            – Gosta desta música?
            – Que música?
            Resolvi cantarolar a melodia no ouvido dela, fui me aproximando, o calor aumentando, eu a puxei para mais perto, colei-a no meu corpo e comecei a assobiar a canção no ouvido dela.
            – Está gostando? – perguntei.
            – Estou, exceto de um zumbido no meu ouvido. Você deixou a panela de pressão ligada?
            Desisti da música, mas então tive uma grande idéia. Levei-a ao meu home theater e coloquei um clássico para assistirmos. Depois de 15 minutos.
            – Não dá para aumentar o volume?
            – Pensei que você tinha reparado.
            – No quê?
            – O filme é mudo.
            – Por que você colocou um filme mudo? Acha que eu sou surda? Eu não sou surda. Eu escuto muito bem, fique sabendo que eu terminei com o meu ex-namorado só porque ele vivia cismando para eu fazer um exame de surdez. EU NÃO SOU SURDA!!!
            E saiu pela batendo a porta... mas, com certeza, ela não ouviu isso. Enfim, para não estragar meu risoto, fui buscar a única mulher na minha vida que realmente me ama.
            – Pai, o que a gente vai fazer?
            – Vamos jantar, mas antes vou fazer o ultra mega super chocolate-quente do papai. Com três cerejas e chantili extra.
            – Legal e a gente pode chamar o Jean Pierre?
            – E para que o papai vai querer chamar o namorado da mamãe?
            – É que ele faz um chocolate-quente melhor do que o seu.
            Deixei a Ana Clara com a mãe. Alguém aceita um chocolate-quente? Tem risoto também.