– Ana Clara, cadê o telefone?
– Eu escondi.
– Isso eu percebi. Mas onde está?
– Tem de procurar, ué!
– Seu pai está com pressa, eu tenho de ligar para o banco até as 17h, senão fecha e eu não consigo aplicar o dinheiro.
– Então procura, ora!
– Está no quarto? Está por aqui?
– Está frio.
– Debaixo da cama?
– Está frio.
– Eu vou te matar!
– Vai andando, está ficando quente.
– Ana Clara, falta um minuto para as 5h.
– Eu não estou com pressa.
– E agora?
– Está quente... está quente... está fervendo.
– Achei! Mas não está funcionando.
– Você não encontrou as pilhas.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
domingo, 22 de maio de 2011
O Homem de Ferro
Não é para me vangloriar, mas vocês sabem que eu tenho uma saúde de ferro. O problema é que na minha idade, a saúde já enferrujou há muito tempo. Ontem fui dar uma corridinha e o joelho começou a doer. À noite, fui a uma festa junina e o sereno me deu uma coriza danada deixando o meu olho direito totalmente fechado e, para completar, dormi de mau jeito e meu pescoço travou a ponto de eu parecer a torre de Pisa, pendendo para o lado.
Apesar de estar todo ruim, prometi à Ana Clara levá-la ao cinema. Pai é pai, besta é besta. Chegamos em cima da hora e a Aninha ainda resolveu ir ao banheiro antes do filme. Ai, ai. Pai é pai, besta é besta. Reparei que não estava parecendo muito bem quando um menininho passou do meu lado e comentou com sua mãe.
– Mãe, aquele é o corcunda de Noti Dami?
– Ô, meu filho, não fala assim do aleijado.
‘Mãe é mãe, vaca é vaca!’ – pensei.
– O senhor está esperando alguém? – perguntou um senhor com dois garotinhos.
– Sim, estou esperando minha filha – na realidade, eu queria dizer: ‘não, vim para a frente do banheiro para respirar ar puro’.
– O senhor poderia ficar olhando meus dois filhos, enquanto vou ao banheiro?
– Claro – os traficantes de Milão vão ficar supercontentes(*).
E o homem entrou afobado no banheiro para fazer seu pipizinho, enquanto eu aguardava a minha filha e vigiava os dois pestinhas.
– Caramba, como ele é feio! – disse o menor para o maior.
– Será que o olho fechado é de vidro? – cochichou o maiorzinho.
Não se deve bater em criança, mas instintivamente levantei a mão para dar um cascudo no mais velho, para quê? Deu uma fisgada na coluna que eu não podia nem abaixar o braço.
– Ih, ele quer brincar de estátua.
– É, ele está imitando a Estátua da Liberdade.
– Aposto que se eu fizer cosquinha nele, ele se mexe.
– Há, há, há! Não se mexeu, não se mexeu.
– Ah, é? Então vou dar um chute nele, de bicuda! Toma!
– Não se mexeu, não se mexeu!
– Mas ele enrugou a cara.
– Enrugou nada, ele é feio assim mesmo.
– Vamos, meninos, papai já voltou. Muito obrigado.
Se eu pudesse mover minha mão, enforcaria um por um.
– Pai, você está bem?
– Ana, você se incomoda se formos para casa?
– Não, mesmo sem ver um filme, você continua sendo o pai mais lindo do mundo – falou isso me dando um beijo no rosto.
Não é para me gabar, mas eu tenho uma saúde de ferro, estou me sentindo ótimo!
(*) Super-contentes ou supercontentes? Fui pesquisar como ficou depois das novas regras. O hífen não deve ser usado quando o prefixo termina em consoante e a segunda palavra começa por vogal ou outra consoante diferente.
hipermercado – hiperacidez - intermunicipal – subemprego – superinteressante – superpopulação
Apesar de estar todo ruim, prometi à Ana Clara levá-la ao cinema. Pai é pai, besta é besta. Chegamos em cima da hora e a Aninha ainda resolveu ir ao banheiro antes do filme. Ai, ai. Pai é pai, besta é besta. Reparei que não estava parecendo muito bem quando um menininho passou do meu lado e comentou com sua mãe.
– Mãe, aquele é o corcunda de Noti Dami?
– Ô, meu filho, não fala assim do aleijado.
‘Mãe é mãe, vaca é vaca!’ – pensei.
– O senhor está esperando alguém? – perguntou um senhor com dois garotinhos.
– Sim, estou esperando minha filha – na realidade, eu queria dizer: ‘não, vim para a frente do banheiro para respirar ar puro’.
– O senhor poderia ficar olhando meus dois filhos, enquanto vou ao banheiro?
– Claro – os traficantes de Milão vão ficar supercontentes(*).
E o homem entrou afobado no banheiro para fazer seu pipizinho, enquanto eu aguardava a minha filha e vigiava os dois pestinhas.
– Caramba, como ele é feio! – disse o menor para o maior.
– Será que o olho fechado é de vidro? – cochichou o maiorzinho.
Não se deve bater em criança, mas instintivamente levantei a mão para dar um cascudo no mais velho, para quê? Deu uma fisgada na coluna que eu não podia nem abaixar o braço.
– Ih, ele quer brincar de estátua.
– É, ele está imitando a Estátua da Liberdade.
– Aposto que se eu fizer cosquinha nele, ele se mexe.
– Há, há, há! Não se mexeu, não se mexeu.
– Ah, é? Então vou dar um chute nele, de bicuda! Toma!
– Não se mexeu, não se mexeu!
– Mas ele enrugou a cara.
– Enrugou nada, ele é feio assim mesmo.
– Vamos, meninos, papai já voltou. Muito obrigado.
Se eu pudesse mover minha mão, enforcaria um por um.
– Pai, você está bem?
– Ana, você se incomoda se formos para casa?
– Não, mesmo sem ver um filme, você continua sendo o pai mais lindo do mundo – falou isso me dando um beijo no rosto.
Não é para me gabar, mas eu tenho uma saúde de ferro, estou me sentindo ótimo!
(*) Super-contentes ou supercontentes? Fui pesquisar como ficou depois das novas regras. O hífen não deve ser usado quando o prefixo termina em consoante e a segunda palavra começa por vogal ou outra consoante diferente.
hipermercado – hiperacidez - intermunicipal – subemprego – superinteressante – superpopulação
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