domingo, 22 de maio de 2011

O Homem de Ferro

            Não é para me vangloriar, mas vocês sabem que eu tenho uma saúde de ferro. O problema é que na minha idade, a saúde já enferrujou há muito tempo. Ontem fui dar uma corridinha e o joelho começou a doer. À noite, fui a uma festa junina e o sereno me deu uma coriza danada deixando o meu olho direito totalmente fechado e, para completar, dormi de mau jeito e meu pescoço travou a ponto de eu parecer a torre de Pisa, pendendo para o lado.
            Apesar de estar todo ruim, prometi à Ana Clara levá-la ao cinema. Pai é pai, besta é besta. Chegamos em cima da hora e a Aninha ainda resolveu ir ao banheiro antes do filme. Ai, ai. Pai é pai, besta é besta. Reparei que não estava parecendo muito bem quando um menininho passou do meu lado e comentou com sua mãe.
            – Mãe, aquele é o corcunda de Noti Dami?
            – Ô, meu filho, não fala assim do aleijado.
            ‘Mãe é mãe, vaca é vaca!’ – pensei.
            – O senhor está esperando alguém? – perguntou um senhor com dois garotinhos.
            – Sim, estou esperando minha filha – na realidade, eu queria dizer: ‘não, vim para a frente do banheiro para respirar ar puro’.
            – O senhor poderia ficar olhando meus dois filhos, enquanto vou ao banheiro?
            – Claro – os traficantes de Milão vão ficar supercontentes(*).
            E o homem entrou afobado no banheiro para fazer seu pipizinho, enquanto eu aguardava a minha filha e vigiava os dois pestinhas.
            – Caramba, como ele é feio! – disse o menor para o maior.
            – Será que o olho fechado é de vidro? – cochichou o maiorzinho.
            Não se deve bater em criança, mas instintivamente levantei a mão para dar um cascudo no mais velho, para quê? Deu uma fisgada na coluna que eu não podia nem abaixar o braço.
            – Ih, ele quer brincar de estátua.
            – É, ele está imitando a Estátua da Liberdade.
            – Aposto que se eu fizer cosquinha nele, ele se mexe.
            – Há, há, há! Não se mexeu, não se mexeu.
            – Ah, é? Então vou dar um chute nele, de bicuda! Toma!
            – Não se mexeu, não se mexeu!
            – Mas ele enrugou a cara.
            – Enrugou nada, ele é feio assim mesmo.
            – Vamos, meninos, papai já voltou. Muito obrigado.
            Se eu pudesse mover minha mão, enforcaria um por um.
            – Pai, você está bem?
            – Ana, você se incomoda se formos para casa?
            – Não, mesmo sem ver um filme, você continua sendo o pai mais lindo do mundo – falou isso me dando um beijo no rosto.
            Não é para me gabar, mas eu tenho uma saúde de ferro, estou me sentindo ótimo!

(*) Super-contentes ou supercontentes? Fui pesquisar como ficou depois das novas regras. O hífen não deve ser usado quando o prefixo termina em consoante e a segunda palavra começa por vogal ou outra consoante diferente.
hipermercado – hiperacidez - intermunicipal – subemprego – superinteressante – superpopulação

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