Depois de testar a paciência budista do Ricardo, nosso professor de origami, na aula da SIPAT e destruir uma resma e meia de papeis variados aperfeiçoando a técnica, finalmente cheguei à perfeição.
– E aí, o que achou?
– O que é isso?
– Uma aranha.
– Ah!
Mas antes de o Ricardo dar sua opinião definitiva sobre a minha aranha perfeita, a Andréia entrou na sala.
– Quem deixou esse papel amassado na mesa? – disse atirando minha criação no lixo.
Sorte dela eu não ser uma pessoa rancorosa, e, mais sorte ainda, o Bruno e o Geraldo estarem perto para me segurar antes que eu a estrangulasse. Pelo menos inicialmente. Como me sedaram com dormonid e eu não me lembro de nada, tive de me certificar com a única pessoa que eu realmente confio para saber o que aconteceu depois. Afinal, se você necessita de uma informação precisa e rápida, a quem pergunta? A bibliotecária, lógico!
– Ivy, é verdade que chamaram toda a segurança para me conter?
– Toda a segurança? Até o Fred, o general Gobato e o capitão Nascimento vieram da sede para te segurar e... tuuuuuuu.
Como eu sempre digo: jamais confie em uma bibliotecária.
Se você duvida das minhas habilidades, saiba que eu sou capaz de lançar uma folha A4 para o ar com as mãos algemadas para trás e calçando um par de luvas e, antes de tocar o solo, transformar o papel em uma aranha caranguejeira.
Para comprovar minha destreza, eu chamei uma pessoa totalmente idônea e imparcial para julgar meus trabalhos: Ana Clara. Não me abalei com as denúncias e uivos caninos alegando uma suposta ameaça de cortar parte da mesada dela em caso de notas injustas. Fiquem sabendo que o perseguido sou eu. No dia seguinte, as quatro rodas do meu carro novo (novíssimo se me permitem) amanheceram mijadas. Aqueles vira-latas! Vou vender para uns chineses aqui do bairro que amam carne de cachorro.
Mas, retornando ao veredicto, Aninha se aproximou dos meus dois origamis, deu uma volta ao redor de cada uma, coçou o queixo, sacou sua lupa procurando imperfeições, analisou detalhes, avaliou o grau de dificuldade e equilíbrio das obras, sacou seu bloquinho de notas e começou a escrever sem parar. A agonia era tamanha que eu já estava roendo a unha do Simba, meu cão ancião. Finalmente não agüentei mais e perguntei:
– Gostou?
– Adorei! É a girafa mais perfeita que eu já vi.
– Na realidade é uma aranha.
– Ah! Tudo bem, não tem importância, pois eu gostei mesmo foi da coruja.
– Era outra aranha.
Voltei a usar papel apenas para escrever meus contos, magoei!
– Alô! – respondi atendendo o interfone no dia seguinte.
– Seu Alexandre, aqui é o Geraldo, o porteiro (*).
– Sim.
– É que eu vi no seu lixo, sabe como é, sem querer, eu não reviro o lixo dos outros. Mas eu encontrei um bicho de papel que o senhor fez.
– O senhor gostou.
– Muito. Posso ficar?
– É todo seu! – disse mais satisfeito que solteirona em festa de universitários.
– Poxa, muito obrigado! É a girafa de papel mais bem feita que já vi... alô... alô... seu Alexandre?
(*) a piada de que todo o porteiro se chama Geraldo é do próprio Geraldo.
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