─
E se eu der um beijinho deste lado do pescoço.
─
Ai, ai, ai. Que gostoso!
─
E se eu der um beijinho agora do outro lado.
─
Ai, ai, ai.
─
E se eu te apertar forte contra o meu corpo... assim.
─
AI, AI, AI!!!
─
Eu não queria me gabar, mas, vamos lá, eu sou bom nisso mesmo.
─
AI, AI, AI!!!
─
Está bem, já entendi, também não precisa exagerar.
─
Ai, seu idiota, ai, minhas costas.
─
São lindas.
─
Não, imbecil, ai, minha hérnia, ai.
─
Hérnia???
─
Liga para a emergência, ai, você deslocou um disco da minha coluna. Ai!
E
agora, o que a gente faz com duas champanhas francesas de duzentos e cinquenta
reais? Enfim, rumo ao hospital. Enquanto eu preenchia a papelada, minha
namorada era levada às pressas para o ambulatório com os dois braços
paralisados pela dor em ângulo de noventa graus, um para frente e outro para
trás. Sorte ela ter travado lá em casa e não em uma loja de roupas, ou um
vendedor poderia confundir com um manequim e colocá-la no mostruário.
Quando
cheguei ao ambulatório e abri a cortina do box
cinco, lá estava a minha namorada despida de bruços sobre a maca e com um
médico segurando as costas dela com as duas mãos. Não sei o que vocês acham,
mas, no passado, homens morreram por muito menos. Eu quase perguntei se ele não
queria uma taça de champanha. Deixa para lá.
No
hospital, fizeram infiltração – pelo menos foi essa a desculpa do médico para
as duas mãos nas costas dela – e ainda deram uma série de medicamentos. Ela
saiu mais grogue que alcoólatra em dia de double
drink. E o médico, com um sorriso no rosto que quase me fez pensar que ele
precisaria de uma cirurgia após um ataque acidental de um acompanhante, ainda
advertiu:
–
Fica de olho até ela recobrar a consciência.
–
Chama alguém para ficar de olho em você também até recobrar a consciência –
mas, bem naquela hora, dois seguranças passaram pela saída do hospital. Uma
pena. Ele tinha os dentes frontais estragados. Dentes novos talvez dessem um ar
distinto àquele almofadinha.
–
Não entendi.
–
Um ótimo final de semana para o senhor – e que tenha plantão todos os domingos
deste ano, pensei.
Cheguei
em casa exausto. Por sorte, minha namorada deitou logo na cama e dormiu, eu
apaguei. Quando acordei, ela não estava ao meu lado, nem a chave do carro dela.
Fudeu.
Peguei
a chave do meu carro e desci as escadas voando. O bom de morar no Lakeside
Hotel é que não tem muitos lugares para ela ir, exceto o Palácio do Alvorada de
um lado e, do outro, o do Jaburu. Fudeu mesmo! Vão achar que ela é uma terrorista.
Aquelas
marcas por cima do canteiro só poderia ser do carro dela. Ainda bem que ela não
tomou o caminho do Alvorada, seguiu em direção contrária que iria dar... no Palácio
do Planalto. A esta hora, o Jornal Nacional já teria anunciado a morte de uma
terrorista.
Acelerei
em direção ao palácio, teria de alcançá-la antes dela atropelar um Dragão da Independência.
Mas tive de diminuir logo à frente. Tinha um carro de polícia que estava
multando uma bêbada. Era ela!
–
Seu guarda, eu a conheço.
–
E como o senhor deixa uma bêbada dirigir?
–
Ela não está bêbada.
–
Isso é o que veremos com o bafômetro... hum, o senhor tem razão, bêbada ela não
está.
–
Eu disse.
–
Mas se não é álcool que está causando a língua presa, deve ser algum
entorpecente.
–
Que isso, seu guarda. É que ela está falando em in...
–
Inglês? Eu falo inglês. E fluentemente, estou me preparando para o concurso da Polícia
Federal.
–
Eu ia dizer inslandês, quero dizer islandês.
–
Eu não falo islandês.
–
Ufa!
–
O que o senhor disse?
–
Não se preocupe, eu falo com ela. Já estive nos Países Baixos.
–
Os Paises Baixos correspondem à região da Holanda, não da Islândia.
–
Ah, é? Claro. Eu vejo que você vai passar logo no concurso da Polícia Federal.
Ninguém te passa a perna.
–
Você acha?
–
Certamente.
–
Uki ezi gada fiu da fruta ké?
–
O que ela disse?
–
Ah, ela está impressionada com o seu saber. Estou vendo que você passaria em
qualquer universidade europeia, como Havard.
–
Havard é nos EUA.
–
Olha aí. Quanta erudição! Os federais não sabem o que estão perdendo.
–
Mandiló to...má nukú i vumbora.
–
Engraçado parece até que eu entendi – falou o guarda.
–
É, o islandês é uma língua muito gutural. Remete a nossos tempos da caverna,
por isso parece até que a gente entende. É nosso elo perdido. Mas como você vê,
ela está boa. Podemos ir?
–
Então por que ela está com a cara no capô e babando no carro.
–
O quê? – olhei para trás – É... é... é... isso!... Quero dizer: isso é um teste
islandês.
–
Teste islandês?
–
Claro. E escreve aí que pode cair na sua prova. Os islandeses jamais ligam o
motor do carro sem antes babar no capô.
–
Para quê?
–
Se a baba congelar, eles não podem ligar o carro ou o motor irá fundir.
–
Genial! Vou anotar essa.
–
Aliás, você sabe que ela é parente distante da rainha da Inglaterra?
–
Sério?
–
Exatamente. Sabe como é: o mar do Norte os une. E acho que não ficaria bem a deixarmos
retornar sem uma escolta. O que vão pensar da polícia brasileira, não é? Poderia
até causar um incidente diplomático.
–
Deus me livre! Podem até me cortar entre os aprovados.
–
Quem sabe você poderia ir dirigindo o carro dela, depois eu te trago de volta?
–
Eu até faria isso, mas enquanto nós conversávamos, ela ligou o carro e se foi.
–
O quê? O Palácio do Planalto!