domingo, 15 de julho de 2012

Como perder uma namorada em um único dia... duas vezes



               ─ E se eu der um beijinho deste lado do pescoço.
               ─ Ai, ai, ai. Que gostoso!
               ─ E se eu der um beijinho agora do outro lado.
               ─ Ai, ai, ai.
               ─ E se eu te apertar forte contra o meu corpo... assim.
               ─ AI, AI, AI!!!
               ─ Eu não queria me gabar, mas, vamos lá, eu sou bom nisso mesmo.
               ─ AI, AI, AI!!!
               ─ Está bem, já entendi, também não precisa exagerar.
               ─ Ai, seu idiota, ai, minhas costas.
               ─ São lindas.
               ─ Não, imbecil, ai, minha hérnia, ai.
               ─ Hérnia???
               ─ Liga para a emergência, ai, você deslocou um disco da minha coluna. Ai!
               E agora, o que a gente faz com duas champanhas francesas de duzentos e cinquenta reais? Enfim, rumo ao hospital. Enquanto eu preenchia a papelada, minha namorada era levada às pressas para o ambulatório com os dois braços paralisados pela dor em ângulo de noventa graus, um para frente e outro para trás. Sorte ela ter travado lá em casa e não em uma loja de roupas, ou um vendedor poderia confundir com um manequim e colocá-la no mostruário.
               Quando cheguei ao ambulatório e abri a cortina do box cinco, lá estava a minha namorada despida de bruços sobre a maca e com um médico segurando as costas dela com as duas mãos. Não sei o que vocês acham, mas, no passado, homens morreram por muito menos. Eu quase perguntei se ele não queria uma taça de champanha. Deixa para lá.
               No hospital, fizeram infiltração – pelo menos foi essa a desculpa do médico para as duas mãos nas costas dela – e ainda deram uma série de medicamentos. Ela saiu mais grogue que alcoólatra em dia de double drink. E o médico, com um sorriso no rosto que quase me fez pensar que ele precisaria de uma cirurgia após um ataque acidental de um acompanhante, ainda advertiu:
               – Fica de olho até ela recobrar a consciência.
               – Chama alguém para ficar de olho em você também até recobrar a consciência – mas, bem naquela hora, dois seguranças passaram pela saída do hospital. Uma pena. Ele tinha os dentes frontais estragados. Dentes novos talvez dessem um ar distinto àquele almofadinha.
               – Não entendi.
               – Um ótimo final de semana para o senhor – e que tenha plantão todos os domingos deste ano, pensei.
               Cheguei em casa exausto. Por sorte, minha namorada deitou logo na cama e dormiu, eu apaguei. Quando acordei, ela não estava ao meu lado, nem a chave do carro dela. Fudeu.
               Peguei a chave do meu carro e desci as escadas voando. O bom de morar no Lakeside Hotel é que não tem muitos lugares para ela ir, exceto o Palácio do Alvorada de um lado e, do outro, o do Jaburu. Fudeu mesmo! Vão achar que ela é uma terrorista.
               Aquelas marcas por cima do canteiro só poderia ser do carro dela. Ainda bem que ela não tomou o caminho do Alvorada, seguiu em direção contrária que iria dar... no Palácio do Planalto. A esta hora, o Jornal Nacional já teria anunciado a morte de uma terrorista.
               Acelerei em direção ao palácio, teria de alcançá-la antes dela atropelar um Dragão da Independência. Mas tive de diminuir logo à frente. Tinha um carro de polícia que estava multando uma bêbada. Era ela!
               – Seu guarda, eu a conheço.
               – E como o senhor deixa uma bêbada dirigir?
               – Ela não está bêbada.
               – Isso é o que veremos com o bafômetro... hum, o senhor tem razão, bêbada ela não está.
               – Eu disse.
               – Mas se não é álcool que está causando a língua presa, deve ser algum entorpecente.
               – Que isso, seu guarda. É que ela está falando em in...
               – Inglês? Eu falo inglês. E fluentemente, estou me preparando para o concurso da Polícia Federal.
               – Eu ia dizer inslandês, quero dizer islandês.
               – Eu não falo islandês.
               – Ufa!
               – O que o senhor disse?
               – Não se preocupe, eu falo com ela. Já estive nos Países Baixos.
               – Os Paises Baixos correspondem à região da Holanda, não da Islândia.
               – Ah, é? Claro. Eu vejo que você vai passar logo no concurso da Polícia Federal. Ninguém te passa a perna.
               – Você acha?
               – Certamente.
               – Uki ezi gada fiu da fruta ké?
               – O que ela disse?
               – Ah, ela está impressionada com o seu saber. Estou vendo que você passaria em qualquer universidade europeia, como Havard.
               – Havard é nos EUA.
               – Olha aí. Quanta erudição! Os federais não sabem o que estão perdendo.
               – Mandiló to...má nukú i vumbora.
               – Engraçado parece até que eu entendi – falou o guarda.
               – É, o islandês é uma língua muito gutural. Remete a nossos tempos da caverna, por isso parece até que a gente entende. É nosso elo perdido. Mas como você vê, ela está boa. Podemos ir?
               – Então por que ela está com a cara no capô e babando no carro.
               – O quê? – olhei para trás – É... é... é... isso!... Quero dizer: isso é um teste islandês.
               – Teste islandês?
               – Claro. E escreve aí que pode cair na sua prova. Os islandeses jamais ligam o motor do carro sem antes babar no capô.
               – Para quê?
               – Se a baba congelar, eles não podem ligar o carro ou o motor irá fundir.
               – Genial! Vou anotar essa.
               – Aliás, você sabe que ela é parente distante da rainha da Inglaterra?
               – Sério?
               – Exatamente. Sabe como é: o mar do Norte os une. E acho que não ficaria bem a deixarmos retornar sem uma escolta. O que vão pensar da polícia brasileira, não é? Poderia até causar um incidente diplomático.
               – Deus me livre! Podem até me cortar entre os aprovados.
               – Quem sabe você poderia ir dirigindo o carro dela, depois eu te trago de volta?
               – Eu até faria isso, mas enquanto nós conversávamos, ela ligou o carro e se foi.
               – O quê? O Palácio do Planalto!
              

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Psicanalista e o Monstro

Meu psicanalista é muito bom. Falou que eu faço mal às pessoas. Listou uma série de defeitos meus ofensivos ao próximo. Eu fiquei abismado com tamanha verdade, tanto saber. Até o indicaria para vocês, mas eu o matei. Ele tinha razão: eu faço mal às pessoas. O enterro é amanhã. Alguém aceita uma orelha?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Dentista da Família

             Após a separação, minha ex-esposa passou a implicar com o dentista da nossa filha só porque ele é meu irmão. “Muitos genes em comum”, sentenciou. Mas André, meu irmão, é um ótimo dentista. Certa vez, eu estava com uma dor de dentes terrível, tão forte que preferiria morrer. Meu irmão fez um heróico tratamento de canal e apesar de ter salvo minha vida, ele é uma boa pessoa, não deve ser julgado por isso.
            Aliás, falando em vida e se me permitem um parêntese, quando eu completei três anos realizei uma façanha tão incrível que fiquei famoso em Porto Alegre. Não vem ao caso contar o fato agora, vão achar estar apenas me vangloriando, mas minha fama era tamanha que os dois hospitais da cidade daquela época passaram a disputar em qual eu haveria nascido. Ambos alegavam ter provas irrefutáveis de que eu havia chegado a este mundo no outro hospital.
            Mas, voltando ao problema de encontrar novo dentista para a Ana Clara, a situação não estava fácil. A menina havia crescido, tinha oito anos e tendia a aumentar com o tempo. Ela não aceitava mais sofrer na cadeira de nenhum dentista passivamente. Luciane ligou para reclamar do comportamento da minha filha – nessas horas, ela só tem pai.
            – Essa menina está cada dia pior.
            – Deve ter puxado a mãe – sussurrei.
            – O que você disse?
            – Ela está linda igual à mãe. O que ela fez?
            – Mordeu a orelha da secretária e a dentista se recusa a atender a Aninha.
            – Ora para isso temos duas orelhas. Diga a dentista para parar de frescura e atender a nossa filha. Ela tem sorte de não ter sido a dela.
            – Na verdade, ela já foi mordida... duas vezes.
            – E o que você propõe?
            – Veja se seu irmão consegue dar um jeito nela.
            – Deixe-me ver se me lembro bem. Ah, sim! Na última vez em que conversamos, você disse preferir ver a Aninha ser atendida por um açougueiro de matadouro clandestino de beira de estrada ao geneticamente similar a mim. Foi esse mesmo o termo que usou, ou esqueci alguma ofensa?
            – Não me incomode, veja se o incompetente resolve alguma coisa.
            Levei minha filha ao meu irmão prometendo bolas duplas de sorvete com cobertura de chocolate e amendoim caso ela cooperasse. Olhei pelo espelho retrovisor do carro e pelas duas mãos colocadas a frente da boca, acho que não fui bem sucedido. Bom, para isso temos irmão caçula, não é mesmo? Olhando para a cara da Ana Clara tive a impressão de estar assistindo ao filme Hannibal. E tem gente que não valoriza a profissão de dentista.
            Chegando ao consultório, contei a história toda para o meu irmão, ele só me disse: “Deixa comigo” e entrou levando minha filha. Eu pude vê-lo pegando uma fita métrica pelo vidro do consultório e medindo a criança, depois tirou um martelo enorme de dentro de um armário, além de outros objetos que não enxerguei. Ficou conversando uns quinze minutos com a Aninha, não sei o que disse, mas nunca vi uma criança tão colaborativa, ela ficou de boca aberta o tempo todo. Parecia a Estátua da Liberdade pasma ao ver o Cristo Redentor passar. Uma beleza.
            Eu fiquei curioso e retornei no dia seguinte para saber como ele havia conseguido aquele milagre. Meu irmão contou a Ana que antigamente não existiam dentistas. Os médicos cuidavam dos dentes das pessoas. Ele seria a última tentativa da mãe para ela ser tratada por um dentista, senão seria levada a um médico e disse isso mostrando o alicate enorme, o martelo e o serrote usados pelos médicos para arrancar o dente de um infeliz. Então minha filha perguntou se o paciente não ficava com uma dor terrível na gengiva após os dentes serem arrancados e meu irmão respondeu que, pela força que faziam os médicos, não era culpa deles se a gengiva não vinha junta. Pelo sim, pelo não, passei a me comportar direitinho também.

domingo, 13 de novembro de 2011

A Namorada


            A separação não me fez nenhum bem, toda semana eu ligava para a minha ex-mulher para perguntar como estava a nossa filha e ela fazia questão de contar sobre seu novo namorado. Pela descrição dela, ele era mais forte que o incrível Hulk, mais rápido que o Usain Bolton dopado e ainda faz um risoto melhor do que o meu, desaforo!
            Mas isso não ia ficar assim, resolvi arrumar uma namorada, qualquer uma, conseguiria uma menina esta semana nem que fosse a mulher mais feia do mundo... e era. Os cachorros não chegavam perto. Ela tinha um nariz um pouco avantajado, mas se valia de um truque para disfarçar, não depilava os bigodes. Tinha a mania de jogar a cabeça para o lado fazendo charme, pelo menos era o que eu achava, até descobrir que o problema era a orelha esquerda ser bem maior do que a direita. Além disso, de tempos em tempos, era acometida por um tique de ficar piscando os olhos rapidamente. Ou estava recebendo um fax, ou então a invasão alienígena havia começado. Fomos a uma festa de gala e levei também a Ana Clara comigo. Ela olhou para a cara da minha namorada e perguntou:
            – Pai, é haloween?
            Larguei. A segunda não era feia, porém metida a intelectual. Qualquer assunto que eu falasse, ela interrompia para me corrigir, isso me irritava, eu estava para perder a paciência até que entramos em uma área na qual eu sou especialista, história. Começamos a falar da revolução bolchevique e ela me interrompeu para explicar que também era conhecida como “Revolução de Fevereiro”. Eu sorri ironicamente e disse que fevereiro era o meu aniversário. Na verdade, ensinei, a “Revolução Bolchevique” era conhecida como “Revolução de Abril”, ou “Abril Vermelho”. Ela foi embora junto com a sua empáfia desmoralizadas, ainda me ligou tentando pedir desculpas, dizendo que eu tinha razão, ela se confundiu e blá-blá-blá, mas agora era tarde, eu já tinha pesquisado na internet. Ela estava certa, nunca mais a perdoei.
            Eu havia chegado ao fundo do poço e, pior, desmemoriado não sabia voltar. Um casamento falido, um homem mais velho, mais feio, mais gordo e, pelo jeito, com alzheimer. Comecei a entender a minha ex-esposa.
            Estava acabado, então resolvi procurar ajuda profissional. Na realidade, João, meu psicoterapeuta, fez um cursinho por correspondência, parece que foi de eletrônica, não importa, ele não concluiu mesmo. João era ascensorista no ministério da Economia até que teve uma visão. Um negro forte, filho de Ogum, montado em um cavalo branco, trouxe para ele o cetro da verdade futura e ele passou a ser conhecido nos corredores da república nova de Brasília, como tio Chico. “Você tem um problema que não consegue resolver, qualquer problema, consulte com o tio Chico”, pelo menos era o que dizia o cartaz colado no poste.
            Na verdade, João não passava de um neguinho muito sem-vergonha para mim. Roubava no baralho, o mesmo que ele usava para ver o futuro quando uma autoridade aparecia. Cartas marcadas. E a visão que teve foi a da grana dos ex-ministros. Mas aquele safado tinha uma pinguinha danada da boa e era o único que me escutava. Pelo menos quando o teor alcoólico não permitia fugir.
            Ia pegar o elevador para ver o João, ou o tio Chico, sei lá, já cheguei bêbado mesmo, e ela entrou comigo. Às vezes, a sorte se confunde e acerta um azarado sem querer. Seus cabelos loiros voaram em minha direção quando ela tomou o elevador. Tomar era a palavra. Lançou-me um leve sorriso, pediu para apertar o 4 e eu marquei o 3, o 2, o 5. Bêbado é uma desgraça. Mas, pelo menos, o elevador custou a chegar. Eu até conversaria com ela, se soubesse qual das três era a verdadeira. Como era linda e, ainda por cima, falava.
            – Oi! – ela disse.
            – Aceito – respondi.
            – O quê?
            – Desculpe, acertei seu andar?
            – Eu sou nova aqui – ela me falou sem ligar para minha pergunta. – Conhece algum lugar para sair sexta à noite?
            – Claro! – eu lembro ter saído uma sexta à noite. Foi para comprar fraldas e minha filha já tem oito anos.
            – Você pode me levar?
            – Certamente, conheço um local ótimo – a última vez em que havia estado lá, o Brasil ainda era tri-campeão.
            Fiquei de ligar para ela. Comecei a me beliscar para ver se não estava sonhando, dancei uma mistura de “moon walker” com sapateado russo no elevador e gritei de felicidade, só aí me lembrei de não estar sozinho.
            Com certeza, ela era candidata a ser minha próxima futura ex-mulher. Linda, charmosa e querendo sair comigo, só pode ter algum problema... e tinha.
            Levei-a a um restaurante chique que aceitava cheques. Eles não me conheciam. Ela pegou o menu, aproximou-se de mim como quem vai contar um segredo e falou.
            – O preço do vinho aqui é um absurdo.
            – Sim – respondi sem graça. – Mas não precisa gritar.
            – Quem está gritando? – berrou. – Estou falando somente para você.
            – Então porque todo mundo está olhando para nós?
            – Deixa para lá. Você reparou na roupa do maitre?
            – Sim, mas seja discreta. Fale baixo.
            – Que mania você tem de achar que todo mundo está falando alto.
            – Não queria perguntar, mas você tem algum problema de audição?
            – Aviação?
            – Linda desse jeito, seria muita sorte – sussurrei.
            – Quem está pela hora da morte? – perguntou a surdinha.
            Fomos expulsos do restaurante, mas considerando o preço dos pratos até que foi providencial. Decidi levá-la para a minha casa, faria o meu risoto de bacalhau campeão, queria ver se aquele francês gay namorado da minha ex faria melhor. Ia dar o troco na mesma moeda.
            Enquanto deixava a panela aquecer, coloquei uma musiquinha romântica para dar um clima.
            – Gosta desta música?
            – Que música?
            Resolvi cantarolar a melodia no ouvido dela, fui me aproximando, o calor aumentando, eu a puxei para mais perto, colei-a no meu corpo e comecei a assobiar a canção no ouvido dela.
            – Está gostando? – perguntei.
            – Estou, exceto de um zumbido no meu ouvido. Você deixou a panela de pressão ligada?
            Desisti da música, mas então tive uma grande idéia. Levei-a ao meu home theater e coloquei um clássico para assistirmos. Depois de 15 minutos.
            – Não dá para aumentar o volume?
            – Pensei que você tinha reparado.
            – No quê?
            – O filme é mudo.
            – Por que você colocou um filme mudo? Acha que eu sou surda? Eu não sou surda. Eu escuto muito bem, fique sabendo que eu terminei com o meu ex-namorado só porque ele vivia cismando para eu fazer um exame de surdez. EU NÃO SOU SURDA!!!
            E saiu pela batendo a porta... mas, com certeza, ela não ouviu isso. Enfim, para não estragar meu risoto, fui buscar a única mulher na minha vida que realmente me ama.
            – Pai, o que a gente vai fazer?
            – Vamos jantar, mas antes vou fazer o ultra mega super chocolate-quente do papai. Com três cerejas e chantili extra.
            – Legal e a gente pode chamar o Jean Pierre?
            – E para que o papai vai querer chamar o namorado da mamãe?
            – É que ele faz um chocolate-quente melhor do que o seu.
            Deixei a Ana Clara com a mãe. Alguém aceita um chocolate-quente? Tem risoto também.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Meu Vizinho Jason



Seu verdadeiro nome é José Antônio, mas depois de ter sido o único sobrevivente de um acidente aéreo, adotou o apelido de Jason e é bom não contrariá-lo. Até que ele não seria tão assustador se não tivesse dois metros e cinco de altura e também de largura. Ficou com uma cicatriz horrível no lado direito da cara, mas adotou uma máscara de hóquei que só cobre a metade esquerda do rosto. Vai entender, cada mania.
            É um ótimo vizinho e seria perfeito se, nos dias de lua cheia, não uivasse tanto. Depois do acidente ficou meio abobado, digo, distraído, costuma entrar em casa sem se importar em tocar a campanhinha e, às vezes, sem abrir a porta também, mas ele conserta depois. Adora fazer esculturas com a serra elétrica, já tive cada porta linda, só pedi para ele parar de esculpir gárgulas e demônios. É um artista... gótico!
            Jason tem seus defeitos, ele é muito descuidado com o jardim, está cheio de buracos, cansei de reclamar. Outra coisa ruim é que vive dando carne para os meus cachorros, eles o adoram. Só que aí se recusam a comer a ração que eu compro. Confesso, outro dia o peguei dando carne crua para os meus cães, fiquei com tanta raiva que o golpeie com a pá na cabeça. O animal tirou o boné, botou a mão espalmada para cima e me disse com aquela voz rouca: “vai chover”. Idiota!
            Jason é um sujeito tranqüilo, os outros é que ficam nervosos quando ele liga a moto-serra. Bobagem, Jason só não gosta mesmo é de maestro. Depois do acidente, ele ficou com a voz um tanto gutural. Para dizer a verdade é meio cavernosa mesmo. Então, ele se descobriu um cantor de ópera, mas não se dá bem com os maestros. Costuma dizer: “maestro bom é maestro morto”. É um brincalhão esse Jason, de qualquer forma o último voltou para a Itália no mesmo dia.
            Para se sustentar, ele dá aula de canto. Toda quinta-feira tem uma estudante lá. E, ao contrário do que se possa supor, Jason é um ótimo professor, vocês não acreditariam no agudo que as meninas conseguem atingir. O tom é tão alto que parecem estar morrendo. Um espetáculo. E Jason é pegador, cada semana está com uma menina diferente. Quem diria, hein?
Eu não vejo a hora de ter um vizinho famoso. Aliás, estou lendo o jornal e imaginando a cena, mas, nos dias de hoje, os periódicos só falam em assassinatos, fiquei sabendo que o número de homicídios aumentou tremendamente na minha região, mas quem confia em estatística oficial, não é? Minha rua mesmo é tranqüila, tranqüila, quase não vejo os vizinhos.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ih, engordei!

            No último mês, eu comi feijoada todos os sábados e alguns domingos também, as exceções ocorreram nos dias da churrascaria, sempre apreciei um rodízio. Para compensar, eu prometi correr todos os dias e também ajudar o lar dos velhinhos de Santa Helena ameaçados de despejo, coitados, mas quem se importa com promessas?
            Analisando friamente o fato de eu estar comendo mais e me exercitando cada vez menos, é fácil concluir que a culpa para eu estar engordando é totalmente e sem a menor sombra de dúvidas da minha ex-sogra(1). A jararaca deve estar torcendo para eu não namorar mais ninguém.
            Resolvi tomar uma atitude, fui procurar meus amigos professores de educação física.
            – Oi! Eu vim falar com vocês para ver se podem montar um treino para eu perder calorias. Não sei se vocês notaram, mas eu engordei um pouco.
            – Um pouco? Ai! – disse Geraldo, antes de levar um pisão no pé dado por Juliane.  – Quero dizer, um pouco, bem pouco, não é Juliane? Agora tira seu pé de cima do meu – sussurrou com os dentes cerrados.
            – Pode deixar, Tauil. Com certeza, a gente monta um treino e você vai voltar ao seu peso normal depois de um tempo.
            – Uns quatro anos, ai! – completou Geraldo, levando outra pisada. – Digo três anos, ai! Meses, três meses. Não dá para pisar no outro pé agora? Ai!
            – Você pediu – cochichou Ju.
            Os dois me deixaram exercitando em um aparelho enquanto se afastavam para discutir o caso.
            – Você está louca? – esbravejou Geraldo. – Ele não está gordo, está enorme. Lá no meu saudoso Acre, ele ia servir para lacrar bueiro.
            – Fala baixo, Geraldo. Ele está gordo, não surdo.
            – Aposto que a gordura já tapou os canais auditivos.
            Começo a entender a baixa expectativa de vida acreana.
            Os dois colocaram a mão no queixo, coçaram a cabeça, então Ju suspirou, colocou os óculos na mesa e veio falar comigo. Enquanto ela me orientava quais atividades eu deveria fazer, mais eu entendia o quanto estava gordo.
            – Ju! Eu estou deste lado, esse que você está conversando é o saco de bolas.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A Vingança do Vento

            Quem mora no centro-oeste e já teve pelo menos uma hortinha de fundo de quintal sabe: agosto é o mês dos ventos fortes. Era o maior inimigo das mulheres, até que Isaac Newton descobriu a gravidade. Depois disso, o Vento passou a andar por aí, cabisbaixo, quase esquecido, dentro de pastéis de bares sombrios e na companhia de coxinhas de reputação duvidosa. Mas, quando agosto chega, é hora da sua vingança. Nem o laquê de Hebe Camargo pode com ele. Aliás, dizem que ela quis economizar na última cirurgia e veio a Brasília. Bastou cinco minutos com a cara para o vento para ela ficar com aquele sorriso parecendo o Curinga, uma gracinha. Pois fiquem sabendo: venta tanto por aqui em agosto que se a cabeça de o Neymar estiver alinhada em noventa graus em relação à direção do vento, é capaz de o jogador ir parar em Cabo Verde. Mais ou menos onde aterrissaram os pênaltis cobrados pelo Brasil.

domingo, 24 de julho de 2011

A Construção do Universo Segundo o PR



– Mandou chamar, Todo Poderoso?
– Mandei, Waldemar. Eu estava pensando em criar outro paraíso, o jardim do Éden.
– Grande idéia, chefe. E eu tenho a pessoa certa para o serviço.
– Mas olha lá, hein? O orçamento está apertado e o Diabo está de olho – disse batendo três vezes na madeira – É só um jardinzinho em um pequeno planeta, coisa pouca, apenas para dois indivíduos a minha imagem e semelhança morar.
– Deixa comigo. O Nascimento é o cara certo para ser seu mestre-de-obras.
– Tudo bem, gostei do nome, monta um cronograma.
No primeiro dia.
– Seu Waldemar, o que vocês fizeram? Era só para criar o dia e a noite.
– Caro Jeová, porém só dia e noite ia ficar meio sem graça e muito previsível. A gente pensou em acrescentar um satélite natural ao planeta, assim teremos uns eclipses de vez em quando.
– Boa! Gostei, pode continuar. Não sei como eu, sendo o Todo Poderoso, não tinha pensado nisso antes.
No segundo dia.
– Alô!
– Seu Waldemar, você terminou de separar a água da terra.
– Olha, seu Poderoso. O negócio não é fácil assim não. Separar a gente até separou, só que deu uns vazamentozinhos que dividiu o oceano em sete, mas a gente já está providenciando.
– Não seria porque você contratou a empresa do seu primo ao invés da melhor?
– Bem...
– Não minta para mim, eu estou em todos os lugares.
– Desligou na minha cara, mas que sujeitinho! Se ele sabe de tudo para que me ligar? Agora seu Lucival da Costa Neto, você fez essa cagada, você arruma. Acelera aí que o Homem está nervoso.
No terceiro dia.
– Alô!
– Seu Waldemar, cadê a terra seca e as árvores frutíferas?
– Ô do poder, deixa comigo. Você não ia querer criar um jardim fraquinho desses, o que vão dizer do senhor no futuro?
– O que vão dizer eu já sei.
– Ah, é! Pois se o senhor sabe, nem preciso falar, mas vamos incrementar isso daqui, vai ter planta de tudo quanto é jeito, contratamos uma empresa de paisagismo de primeira.
– A empresa da sua mulher.
– O Seu Poderoso, o senhor é muito apegado em detalhes, mas olha o resultado.
– Eu só vejo escuridão.
– Não, eu estou falando do futuro, o senhor não vê o futuro? Então.
– Talvez nem eu viva tanto para ver isso, apressa esse serviço, Zé!
– Falando em Zé, o Zé Bigode está querendo participar também.
– Pensei que ele ia sossegar com a presidência do senado.
– Você sabe como ele é.
– Não me incomode com detalhes, eu quero é essa obra pronta logo.
No quarto dia.
– Alô!
– Waldemar, era para criar apenas o sol, a lua e algumas estrelas.
– Ô chefia, sem algumas galáxias, isso ia ficar muito pobrezinho.
– Algumas? Vocês criaram mais de 200 bilhões de galáxias. Eu só vou colocar duas pessoas lá, você já ouviu falar em custo x benefício?
– A gente ia criar só umas três, mas aí vieram seu Bigode, Renan e até o duplo ‘L’ para dar pitaco.
– Ai, ai. Quando Lúcifer veio com a idéia de criar um senado para mediar nossas brigas, eu deveria ter desconfiado.
No quinto dia.
– Alô, chefia! Já sei, vocês está ligando para me cobrar o andamento da Obra. Está uma beleza.
– Waldemar, era para criar uns peixinhos.
– Pô, chefe! Mas você tem de concordar comigo que essas baleias são umas simpatias.
– E ainda por cima mamíferos. Era para criar os mamíferos na terra.
– Eu já pensei nisso, Seu Poderoso. Depois elas migram.
– E o orçamento para isso?
– Bom chefe, vai custar um pouquinho a mais.
– Sei e as aves? Era para ter uns dois papagaios e nada mais, como você me explica os pterodátilos?
– Mas do Poder, você não pode querer as coisas logo, tem toda uma evolução até chegar lá. Você acha que criar é fácil?
– Eu devia ter estalado meus dedos.
– O que o senhor disse?
– Deixa para lá. Termina logo isso aí.
No sexto dia.
– Alô!
– Waldemar, eu não falei para você fazer só um cachorro?
– É verdade.
– E o que é isso aí?
– Um rinoceronte.
– Waldemar, para que eu quero esse monstro?
– Ele leva muitas vantagens sobre o cachorro.
– Que vantagens, Waldemar?
– Ora, para vigiar a casa. Com uma blindagem dessas e esse chifre enorme, ladrão nenhum vai se atrever a invadir o local.
– Nem os donos, o rinoceronte é um animal selvagem.
– Ah, é! Então vamos soltar na floresta.
– Que floresta, Waldemar? Era só um jardim. Jardim, Waldemar! E outra coisa, só vão ter dois indivíduos, para que um animal de guarda?
– Tenho de admitir, o senhor sabe tudo.
– Fuuuuuuuuhhhhhhhhhh!
– Ô Poderoso, suspira mais devagar. Olha, seu suspiro causou um vendaval aqui. A gente vai ter de refazer umas coisinhas, talvez fique um pouco mais caro.


sexta-feira, 8 de julho de 2011

Piratas do Caribe em Brasília

            Ana Clara me pediu para levá-la ao Piratas do Caribe, apesar de ter torcido o pé e estar usando bengala, pai é pai. Fui. Chegando ao shopping, Ana Clara quis tomar sorvete e logo naquela sorveteria mais cara que serve um copinho minúsculo junto a um guarda-napo preto imenso. Bem que poderia ser ao contrário, afinal eu estou pagando o sorvete ou o guarda-napo?
            Com muita dificuldade, fui me arrastando para a fila, uma mão na bengala, outra no sorvete e uma terceira na Ana Clara, não me perguntem como, pai é pai (*). Esperando a fila andar, um garotinho na frente ficou olhando para a minha bengala e perguntou para a mãe:
            ─ Mãe, esse aí atrás é um dos piratas?
            ─ Não, meu filho.
            ─ Tem certeza?
            ─ Tenho.
            ─ Mas eu quero brincar com ele.
            E eu olhando a discussão e pensando: “vou dar uma bengalada nesse moleque”.
            ─ Mas, mãe, eu quero brincar com ele.
            ─ Não pode, já falei, ele é um pirata falso.
            ─ Pirata falso ─ disse se virando para mim e acertando um bico bem no meu tornozelo machucado.
            Com a dor, eu me curvei, acabei acertando a cabeça no sorvete e com o guarda-napo colado no meu olho direito. Enquanto eu via estrelas, um outro menino passou me olhando.
            ─ Pai, estão encenando aqui.
            ─ É, filho. Eu nunca tinha visto expressões faciais tão realistas. Que ator! Parece até que está sofrendo.
           
(*) Aprendi observando o Ricardo levar os tri-gêmeos para passear.

domingo, 3 de julho de 2011

Quem com o Ferro Fere

      Passear com a filha no shopping ao domingo é um evento cultural. Aprendemos muito em apenas uma voltinha. A primeira coisa que descobri é que o preço do cinema parece não ter complexo de grandeza. A segunda é sempre usar o guardanapo para limpar o banco antes de sentar, ou seu traseiro vai ficar brilhando mais que o traje da destaque da alegoria principal do maior carro a desfilar na avenida no carnaval.
      Como Ana Clara anda mais chata para comer que vegetariano em churrascaria, deixei-a escolher onde e local para criança é Mac Donalds. Eu odeio tudo isso. Mas como ela passou nas provas, vamos lá!
      – Eu queria um Mac Lanche Feliz e uma promoção do Big Mac.
    – Por vinte e nove centavos, o senhor tem direito a uma batata-frita e refrigerante grandes – disse caprichando no ‘s’ final.
      – Não, obrigado.
      – Tem certeza? São só vinte e nove centavos – sorriu.
      – Tenho – rosnei.
     Por que todo vendedor acha que nós mudaremos de idéia se ele insistir? “Ah, claro. Ainda bem que o senhor repetiu, eu tinha dito não? É que meu cérebro nunca pega de primeira, sabe como é, igual carro velho”.
      – O senhor ganha alguma comissão por venda aqui no Mac Donalds? – perguntei.
      – Não.
      – Claro que ganha.
      – Não ganho nada a mais.
      – Vai, confessa! Você queria me vender a porção grande porque o gerente te dá um extra por isso.
      – Não, juro que não. Meu salário é fixo, se você não acredita em mim, pode perguntar ao gerente.
      – Eu acredito, só repeti para você ver como é chato ficar fazendo a mesma pergunta várias vezes.
     Por sorte, o atendente já tinha me servido, ou meu sanduíche viria cuspido. Amo muito tudo isso, mas acho melhor não voltar.